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Foto do escritorAndresa Stipp

Escritor Victor Borges , traz em Livro a triste memória da tragédia Santa Maria, A tragédia da Boate

Posfácio , Dr Luiz Flávio Gomes

Aceitei, com muita honra, o convite de Victor Borges para agregar um posfácionesta magnífica obra sobre o caso da Boate Kiss. Uma tragédia que ceifou a vida de 242 pessoas e deixou 680 feridas por motivos que poderiam ser completamente evitáveis. Um incêndio que teve como principal combustível uma série de descasos de particulares e do Poder Público e, em sua macabra trajetória, ainda conta com a indolência da Justiça. Por vontade certa ou por negligência, é a alterofagia (a destruição do outro) que caracteriza a história da nossa nação.

Somente um intelectual perspicaz como Victor Borges poderia elaborar uma obra desta envergadura, tanto por sua curiosidade, típica dos inteligentes que levam a sério suas investigações, quanto pelo conhecimento de experiente jornalista, que faz uma análise do caso, bastante consciente e comprometida com as peças processuais e extraprocessuais que instruem o seu deslinde.

Seguindo esta seara, o autor impressiona pela enormidade da coleta de subsídios em sua acurada investigação, trazendo elementos preciosos, para que os leitores possam conhecer as questões pertinentes ao tema com profundidade. Trata-se de tarefa hercúlea compilar e organizar os fatos e informações de uma tragédia tão multifacetada, com tantas variáveis processuais, midiáticas, dentre outros elementos. Certamente é um dos casos mais complexos que puder observar na minha carreira.

O que mais entristece é que, embora esta obra seja riquíssima, ainda assim, trata-se de um trabalho inacabado porque todos clamamos por um final justo! A inércia do Estado é patente, sobretudo agora do Estado-Juiz, que demora em ofertar uma prestação jurisdicional condigna com a situação desesperada das vítimas e de seus familiares. A morosidade deste caso, em concreto, é quase um tributo, um prêmio àqueles que negligenciam os cuidados básicos legais para garantir a presença do Estado na prevenção de tragédias. É um brinde à falência estatal, que se repete diariamente sobre os escombros da negligência e da insensibilidade.

A incompetência do Estado em aplicar a lei e efetivar a persecução penal cria um sentimento dúbio - de indignação e desesperança dos bons e de oportunidade e descaso dos maus - estimulando o que o sociólogo Robert Merton chama de “conduta desviante”. Outra consequência que se verifica com a sensação de impunidade é a legitimação de discursos defendendo um Direito Penal Midiático, inserindo normas não condizentes com as teorias do Direito Penal Constitucional. Não faltam leis, tipos penais, dispositivos administrativos para restabelecer a esperança na sociedade, o que falta é a certeza do castigo, gerado pelo mau funcionamento da máquina.

A morosidade, mais do que a corrupção e qualquer outra mazela que assombra nosso sistema, é a maior chaga que assola a efetividade do controle social formal. Revela, senão a ausência do Estado, a sua ineficiência completa, muitas vezes desembocando nas famigeradas prescrições que beneficiam, sobremaneira, os infratores.

A Reforma do Judiciário, por meio da Emenda Constitucional nº 45 de 30 de dezembro de 2004, é a prova deque não basta a lei se esta for uma letra morta. Tal diploma trouxe importantes dispositivos, como a criação de Conselho Nacional de Justiça visando à celeridade dos processos. Mas, ainda assim, a morosidade continua sendo a maior mazela do Poder Judiciário. Está na boa vontade dos agentes de Estado a celeridade e não na criação de mais e mais leis. Isso está bem sedimentado na nossa experiência como jurista que passou pelos cargos de Delegado de Polícia, Promotor de Justiça, Juiz de Direito e Advogado.

O caso da Boate Kiss é um leading case que deve servir de exemplo, negativamente é claro, para que os operadores possam observar a incompetência em cadeia do Estado e quanto isso pode repercutir na vida das pessoas, que no caso concreto, como diz o dito popular: entre mortos e feridos, neste caso, literalmente, a inércia afetou a soma de 922 pessoas diretamente, sem contabilizarmos os efeitos secundário nos familiares, na cidade, no Estado e no país. Trata-se de uma tragédia de dimensão colossal como o próprio país.

Redigir um posfácio é confrontar nossa opinião com a do próprio leitor que chega ao final de uma obra com sua convicção formada, de forma que, para expor nossa conclusão final, vale citar a clássica frase de Ruy Barbosa, pronunciada na célebre “Oração aos Moços”, uma reflexão feita há quase um século, em razão da formatura de 1920 dos bacharéis da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, quando fora convidado para ser paraninfo:

"justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta".

Parabéns pela determinação! Sucesso!

Luiz Flávio Gomes

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